quinta-feira, 28 de maio de 2009

E dói-me esse rio de já me não amares
de já me não quereres assim como eu te quero
de não sobressaltares porque sou eu que te espero
em esquinas de lágrima ou sorriso
foi-se o amor chegou o siso
e eu
que não nasci para ter juízo

E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas está, dê para o que der
e doa a quem doer

Passam sanguessugas pelos trilhos da memória
umas são mortas, outras são vivas,
outras são glória
de já não existir e teimar em persistir
e eu vou ao vento, sou palmeira seca,
sou teimoso sou frágil sou de teca de cetim
sou uns dias teu, outros assim assim

E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas sente, e já pouco quer
para além de seres mulher

E sei que já não sinto o que senti nem sei quem sou
mas seja eu quem for fazes-me falta, ainda és música
perdi a pauta, nada sei cantar, acho que esta conversa
é coça umbigo, vai ter que parar

Mas dói-me o teu ventre que não afago
como quem não sabe nadar
e hoje é de festa, amanhã é de mar
é de mar

Manuel Cintra

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Sinto-me assim...

"Para onde vai a minha vida, e quem a leva?
Por que faço eu sempre o que não queria?
Que destino contínuo se passa em mim na treva?
Que parte de mim, que eu desconheço, é que me guia?

O meu destino tem um sentido e tem um jeito,
A minha vida segue uma rota e uma escala
Mas o consciente de mim é o esboço imperfeito
Daquilo que faço e sou: não me iguala

Não me compreendo nem no que, compreeendendo, faço.
Não atinjo o fim ao que faço pensando num fim.
É diferente do que é o prazer ou a dor que abraço.
Passo, mas comigo não passa um eu que há em mim.

Quem sou, senhor, na tua treva e no teu fumo?
Além da minha alma, que outra alma há na minha?
Por que me destes o sentimento de um rumo,
Se o rumo que busco não busco, se em mim nada caminha

Senão com um uso não meu dos meus passos, senão
Com um destino escondido de mim nos meus atos?
Para que sou consciente se a consciência é uma ilusão?
Que sou entre quê e os fatos?

Fechai-me os olhos, toldai-me a vista da alma!
Ó ilusões! Se eu nada sei de mim e da vida,
Ao menos eu goze esse nada, sem fé, mas com calma,
Ao menos durma viver, como uma praia esquecida…"

Pessoa

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Canção Amiga

Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.

drummond

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Secretário dos Amantes

I

Acabei de jantar um excelente jantar
116 francos
Quarto 120 francos com água encanada
Chauffage central
Vês que estou bem de finanças
Beijos e coices de amor

...

V

Que alegria teu rádio
Fiquei tão contente
Que fui à missa
Na igreja toda gente me olhava
Ando desperdiçando beleza
Longe de ti

...

VI

Que distância!
Não choro
Porque meus olhos ficam feios

oswald

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Se me esfolassem agora
encontrariam o teu nome
colado num dos meus ossos
De mim, continuariam a nada entender.
Quanto a eu, sei que sou teu.

manuel cintra

The Best Thing For You

-

I only want what's the best thing for you
And the best thing for you would be me
I've been convinced
After thinking it through that the best thing for you would be me

Everyday to myself I'd say point the way
What would it be?
I ask myself what's the best thing for you
And myself and I seem to agree
That the best thing for you would be me

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Pequenas lições de desespero




Distância

Nada guardo salvo o corpo
que me guarda
Perdi as malas
metafísicas

Falta-me tempo para olhar
para trás


Deixem-me agora
seguir a sombra de algum vôo incerto
ouvir o vento à beira das falésias
nadar correr
correr
entre clones surfistas políticos
liberais e intelectuais
boçais
Fim de festa fim de ano fim do mundo
antigo


Sem memória vou
a caminho do que vem
a caminho.


Arnaldo Saraiva